A militância e o que devemos entender com o caso de Lumena

Thiago Santos
6 min readMar 5, 2021

--

Designed by Freepik

É curioso como a maior experiência do Big Brother Brasil ainda é a maneira que ele movimenta a sociedade aqui fora, a forma que reflete o comportamento de seus espectadores. Lumena, foi uma personagem que levantou reflexões de certo pertinentes, mas arriscadas sobre o papel da militância. Sendo muitas vezes arisca e de certo modo agressiva, contribuiu para abertura do debate sobre como a militância “deve” ou não agir, além de demonstrar o peso da existência política, das questões individuais de quem faz parte das minorias e o incômodo que a luta (distorcida ou não) pode causar nos mais privilegiados.

Logo no começo do programa, nos vídeos de apresentação, já se criava uma expectativa gigante sobre a postura da participante dentro deste universo de militância. Era esperada uma mulher negra de força descomunal, que falasse por todos que representava e colocasse os donos dos privilégios em seus devidos lugares. Contudo, pouco tempo depois, a baiana foi logo identificada como alguém agressivo, militante perdida, sem noção e chata. Aquele perfil da militante sem limites que precisa urgentemente descansar para sociedade ter paz.

A participante obviamente se passou em alguns comportamentos atrelados ao ato de militar e usou de individualidades e um certo academicismo para validar ações e comportamentos — o que também é um problema das as circunstâncias de para quem deveria ser direcionada a militância em primeiro lugar (algo que explicarei em outro texto).

Neste ponto, muito se fala do papel da militância e por conta do BBB, ressurgiram os debates de que a mesma não pode ser agressiva, mas deve ser didática e educativa. Expondo aqui o MEU ponto de vista, minha opinião e apenas MINHA, acho válido dizer que não há uma cartilha que oficialize regras de como a militância deve se portar de fato, porém, ela tem um papel principal muito claro e que muitas vezes é pouco levado a sério. A militância é uma ferramenta de REFLEXÃO e ANÁLISE, que a partir desses temas também se desdobra em luta e conscientização.

A militância é antes de mais nada uma forma de levar o conhecimento de si mesmo e da existência política aos membros das minorias que não os tem. É por meio dela, que muitas pessoas que são parte destas minorias, se tornam conscientes de sua existência de forma política, entendem a representação de seu ser em uma sociedade desigual e medíocre como a nossa.

Embora seja cada vez mais comum que a conversa militante se direcione aos privilegiados, é primordialmente por meio dela, que o oprimido toma conhecimento do seu lugar social e da sua existência. Há um ditado que diz que a “ignorância é uma benção” e neste ponto, de fato ela é. Uma vez que você toma conhecimento de quem você é perante a estrutura social, do que representa e de como será lido pelo resto da vida, nada mais será como antes. É aí que nasce o seu entendimento do ´eu político´ e a compreensão de que não, o militante não descansa, porque as opressões que nos atingem são construídas em cima de quem nós somos nesta sociedade.

Designed by Freepik

Foi por meio de vozes militantes e do estudo, que tive consciência da minha racialidade, da minha sexualidade e da leitura social que eu recebo. Por meio do aspecto da reflexão, eu pude perceber que em um mundo majoritariamente moldado e controlado por brancos, não importa o quão competente, esperto, qualificado ou rico eu seja. Há sempre uma parcela que me verá como inferior, aqueles que desconfiarão da minha presença em espaços públicos por conta da minha pele, os que terão medo ou simplesmente me enxergarão como não pertencente ao local. Por isso, não há como descansar minha militância, por que não há como descansar minha EXISTÊNCIA. Eu não posso deixar de ser negro para entrar em alguns espaços ou deixar de ser gay para frequentar determinados locais, logo, seguirei sofrendo constantemente os ataques (mesmo que silenciosos) das opressões estruturais e não estruturais. E a única forma que eu tenho de me defender, é justamente falar sobre.

No caso da participante do reality show, tivemos aspectos da vivência e da percepção individual que se misturaram com o conhecimento acadêmico, político e social. Essa combinação pode gerar falas, atos e colocações que mesmo sendo ditas em nome da militância de raça, ainda assim não a representem para o todo. A luta racial não é e nem tem pretensão de ser unilateral, ela abrange inúmeras vertentes de opressão, heranças da escravidão que atingem de maneiras diferentes homens, mulheres, pessoas de tons de pele negra diferentes e classes sociais distintas. Tudo isso pode se encaixar no ideal MACRO da luta contra o racismo, mas suas ramificações não podem e nem DEVEM ser ignoradas.

O maior problema com o que foi visto no programa e dito por ela, é que aqui fora reflete no coletivo, por que assim agrada aos brancos. O indivíduo caucasiano que comete um erro racista, machista ou homofóbico, na sociedade criada pelos seus, consegue se vender como alguém que está aprendendo, se desconstruindo e educando. Enquanto isso, o indivíduo negro, que não pertence a esta sociedade moldada pelo olhar branco, este já tem que nascer ciente de sua luta e não pode de fato errar.

“Como que em sã consciência uma pessoa MILITANTE, pode errar? Como ela pode cometer equívocos dentro da militância? Isso só pode ser um erro grotesco desta militância agressiva.”

A realidade é uma só, quando o opressor erra, ele é analisado e enxergado como indivíduo. Já quando o oprimido comete o erro, ele é reflexo de toda uma comunidade e das bandeiras que defende, é a figura que representa o todo. O que saia da boca de Lumena, era dito APENAS por Lumena, mas aqui fora era julgado como um posicionamento de toda uma raça, de toda uma luta e de toda uma militância.

Lumena errou na forma em que apresentou seus ideais de militância, se perdeu nisso e foi eliminada da edição pelos comportamentos que teve. “Ah, mas tem gente que defende e diz que ela estava certa em alguns pontos!” E está tudo bem, afinal, você não concorda o tempo todo com tudo o que as pessoas dizem, mas sabe reconhecer os acertos delas e os erros. Compreensão e entendimento são também algo que leva em consideração o nosso subjetivo, nossas relações e afinidades.

Há ainda que se dizer que, sendo a militância ferramenta de reflexão, é possível inclusive analisar e identificar as motivações que a levaram a tal. Sofrer constantes opressões que vão de olhares a palavras, gestos a agressões ou simplesmente ter que lidar com tudo que envolve o racismo seja ele aqui ou nos EUA, faz com que nós tenhamos sim uma estafa emocional, perda de paciência e uma fúria incontrolável, somos seres humanos e não máquinas. Carregar nas costas o peso do racismo já é insuportável, alie isso ao fato das pessoas esperarem que você seja sempre o cristal do conhecimento racial, o alecrim educacional das opressões, tenha sempre que ter uma opinião ou uma visão sobre tudo que envolve questões sociais de luta e de quebra ainda seja PROFESSOR DA FIGURA QUE TE OPRIME. Isto com certeza tira qualquer um do eixo.

A militância em via de regra não precisa ser didática e educacional, mas há aqueles que usam dela para ensinar. Não precisa ser agressiva, mas há quem esteja de saco cheio do sofrimento e de lidar com gente preconceituosa que poderia evitar certas atitudes com dois cliques no Google. Ela só precisa ser discutida, falada, ouvida e refletida (estando correta ou não). Chato não é identificar e reconhecer nossas falhas e preconceitos enquanto membro da sociedade, chato é continuar reproduzindo-os pela simples preguiça de PENSAR sobre.

--

--

Thiago Santos

Jornalista não praticante | Ator em formação | Social media| Redator.